Cansaço

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Um cansaço o venceu. Não “o” cansaço, “um”, dos vários. Como em táticas militares, flanquearam-no e, já cercado, foi abocanhado pela exaustão. Com caninos pontiagudos, em sacabocadas agressivas, um bando de hienas. Riso.

De quem foi a fatal, a derradeira dentada? Talvez fosse daquele estafamento peristáltico, de engolir todo dia um sapo, de ingerir féu sem poder regurgitar. Como os ratos, que também não vomitam. Quem sabe fora não um homem, mas um rato.

Os ratos também são atribulados, veja. Suas práticas de subsistência, o furto de queijo e pão, podem até ser mais leves que o labor das abelhas e formigas. Acontece que essas e as outras, por fortuna evolutiva, são ordeiras. Seus esforços, que são coletivos e comunitários, seguem à risca um código entranhado, imanente à sua condição de formiga e de abelha. Não há espaço pra hesitação, estimativas imprecisas. Não há autoconfiança que se eroda com insegurança, o algoritmo funcionou e seguirá funcionando indefinidamente, até que não haja nenhuma outra formiga ou abelha. Aí não terão também porque se preocupar, e tudo segue tão previsível como sempre foi.

Pobre rato. Seu cérebro mamífero, seu pobre encéfalo sobrecarregado, opera sob a lógica da liberdade incondicional, tem as rédeas de sua própria decisão. Tem agência sobre si, seu futuro lhe pertence. Mas o mundo não lhe pertence. Há gatos e ratoeiras, pelotinhas de raticida e vassouradas, há cada vez menos migalhas para uma massa interminável de ratos, e cada um por si. Suas minúsculas patas, sem polegares opositores e motricidade fina, penam dia a dia pra riscar as tarefas de uma interminável lista de afazeres animais, atávicos ou aspiracionais, desviando de meia dúzia de ameaças. E não sabe se haverá de envelhecer, se haverá de copular como lhe apeteceria, com o revés de povoar o mundo com mais imundos ratos.

E assim, como não ansiar? No seu DNA, — onde aposto que há codificado um Kanban molecular — está sua cravada sina: exaurir-se, e só enfim descansar. Talvez seja mesmo um rato. Pudera ser uma abelha. Ou um gato.

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Luis Fernando Fontoura de Oliveira

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